Por André Luiz da Silva Melo
A análise do espaço geográfico e das transformações impostas pela globalização é uma das contribuições mais significativas de Milton Santos. Seu pensamento crítico e dialético propõe uma reflexão profunda sobre as relações entre o global e o local, o capital e o trabalho, a técnica e a vida cotidiana. Este artigo pretende explorar essas reflexões e propor como elas podem ser aplicadas para transformar o espaço em um campo de emancipação social, alinhando-se com uma abordagem de globalização humanizada, como defendido pelo autor.
O Espaço Geográfico: Um Sistema de Objetos e Ações
Milton Santos define o espaço geográfico como um sistema composto por objetos (infraestruturas físicas) e ações (relações e práticas sociais) em interação contínua. Para Santos, não se pode separar o espaço físico do social; ambos se transformam mutuamente a partir de suas interações. Essa abordagem dialética nos leva a entender o espaço como um reflexo das relações de poder, produção e consumo, mas também como um campo de possibilidades para a resistência e a transformação (SANTOS, 1996).
O autor destaca a importância do meio técnico-científico-informacional, que, com o avanço das tecnologias, transformou o espaço global e local. A técnica passou a dominar as interações sociais e econômicas, impondo novas formas de produção e consumo. No entanto, Santos adverte que essa técnica, sob o controle do capital, muitas vezes gera desigualdades, alienando indivíduos e destruindo a diversidade espacial e cultural (SANTOS, 1996).
Globalização e Suas Contradições
Santos critica fortemente a globalização em sua forma hegemônica, que ele chama de "globalização perversa" (SANTOS, 2000). Ele argumenta que a globalização concentra poder e riqueza em poucas mãos, exacerbando as desigualdades socioeconômicas e criando um espaço dividido. Nos países periféricos, essa divisão é especialmente visível nas cidades, onde convivem dois circuitos econômicos: o circuito superior (formal e internacionalizado) e o circuito inferior (informal e precário) (SANTOS, 1979).
A crítica de Santos à homogeneização cultural e à alienação provocada pela globalização destaca como as relações de consumo são impostas globalmente, gerando uma sociedade de massa conformada pelas exigências do mercado. No entanto, ele aponta que essas contradições também criam oportunidades para a resistência, especialmente nos lugares onde as práticas cotidianas e locais resistem às imposições globais (SANTOS, 2000).
O Lugar como Espaço de Resistência
Para Milton Santos, o lugar é central em sua análise. Mesmo diante da força avassaladora da globalização, o lugar mantém sua singularidade. É no lugar que as relações sociais mais genuínas ocorrem, e é nele que a resistência ao poder global pode ser organizada. A valorização das práticas locais e cotidianas permite que as populações resistam à alienação e à homogeneização, criando redes de solidariedade e cooperação (SANTOS, 2000).
Santos defende que o fortalecimento da autonomia local é fundamental para enfrentar os desafios impostos pela globalização. Ele sugere que as comunidades devem ter mais controle sobre seus próprios processos de desenvolvimento, baseando-se em suas realidades e necessidades locais, ao invés de submeter-se às pressões do mercado global (SANTOS, 2000).
Educação e Consciência Crítica
Outro ponto central na obra de Santos é a educação crítica. Ele acredita que a transformação social só é possível quando há um despertar da consciência coletiva. A educação, para Santos, deve ser libertadora, capacitando os indivíduos a compreender as estruturas de poder que moldam o espaço e a sociedade, e, ao mesmo tempo, equipando-os para resistir e propor novas formas de organização social (SANTOS, 1996).
Essa educação crítica é especialmente importante no contexto da globalização informacional, onde o controle sobre a informação e a tecnologia é muitas vezes utilizado para alienar e manipular a sociedade. A educação deve, portanto, ser uma ferramenta de emancipação, permitindo que as populações desenvolvam uma visão crítica do mundo e ajam coletivamente para transformar suas realidades.
Proposição de uma Globalização Humanizada
Santos não se limita à crítica; ele propõe uma alternativa à globalização perversa. Sua proposta de "outra globalização" é baseada na ideia de que o processo de mundialização deve priorizar os direitos humanos, a justiça social e o respeito às culturas locais. Em vez de ser uma ferramenta de exploração, a globalização deve ser utilizada para promover a inclusão e redistribuir os benefícios de forma equitativa (SANTOS, 2000).
Para isso, Santos sugere o fortalecimento das economias locais, baseadas em princípios de solidariedade, sustentabilidade e cooperação. Ele acredita que o desenvolvimento econômico deve partir das necessidades e recursos locais, e que o uso da tecnologia deve ser inclusivo, democratizando o acesso à informação e aos benefícios da inovação tecnológica (SANTOS, 1996).
Conclusão
A visão crítica de Milton Santos nos oferece ferramentas valiosas para repensar o espaço, a globalização e as relações sociais no mundo contemporâneo. Sua abordagem dialética, que entende o espaço como resultado das interações entre objetos e ações, nos ajuda a perceber as contradições e desigualdades geradas pela globalização. Ao mesmo tempo, sua ênfase na resistência local, na educação crítica e na globalização humanizada nos aponta caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
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Referências
SANTOS, Milton. O Espaço Dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
SANTOS, Milton. Por Uma Outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.